12.09.17
Mãe
Rogério Martins Simões
No passado Domingo, 10 de setembro de 2017, quando a fui visitar ao Hospital da Universidade Coimbra, onde a minha mãe deu entrada, depois de ter sido assistida na Unidade de Cuidados de Saúde continuados da Pampilhosa da Serra, e nada mais ali poderem fazer. Estive mais de duas horas a falar consigo enquanto a mãe parecia dormir.
Ainda me pareceu que escutava, apesar de me ter apercebido que se encontrava muito pior de saúde. E foi naquele tempo em que estive junto e tão perto de si, minha mãe, que senti que me afogava com o peso das minhas lágrimas.
Foi nesse dia quando o seu estado de saúde se agravava, e quando consigo falava sem aparentemente me ouvir, que lhe repeti o que desde sempre lhe disse: Gosto tanto de si, minha tão querida mãe.
E no tempo em que estive junto de si, procurando suster as lágrimas que espreitavam, que lhe pedi perdão por qualquer coisa perdida no tempo, e lhe agradeci tantas voltas que deu à vida para me ajudar.
Por vezes bastava telefonar-lhe e passado pouco tempo tudo se tinha normalizado. Que poder Deus lhe deu, minha mãe. Afinal nem é preciso aprender a ler e a escrever para se falar, como a mãe sempre o fez, com o seu Deus ou com a terra-mãe que nos dá ou tira a vida. Por isso lhe digo: terá sido por acaso que, quando veio para Lisboa, a mãe conseguiu trazer consigo a sua aldeia à cabeça.
Sim, o pai tinha uma memória e uma inteligência invejável, porém por detrás de um grande homem estará sempre uma grande mulher e essa foi a minha mãe, uma enorme, nobre e extraordinária mulher.
Recordo que muito brincava com as situações mais embaraçosas, por isso transformava os espinhos em rosas. Não foi assim minha mãe?
Finalmente e por saber que neste momento deverá estar a ser submetida a uma perigosa operação, QUERO AGRADECER A VIDA. E por não lhe ter lido este meu primeiro poema que lhe escrevi em 1967 aqui, em carta aberta, o deixo talvez na esperança de ainda ter a oportunidade de me ouvir dizer assim:
mãe
Rogério Martins Simões
Da semente da sua boca
Uma imagem
Subtil de encanto
Como as águas
Límpidas da fonte.
No silêncio
Da sua dor:
O espelho da eterna
Ternura de mãe.
1967
De novo, e na minha poesia mais recente, escrevi um outro poema para mais uma vez agradecer a vida. Com este poema pretendi recuar ao tempo em que me trazia consigo na barriga. Nasci em 5 de Julho de 1949 e terá sido assim:
FOI NUMA MADRUGADA DE JULHO
Rogério Martins Simões
Foi numa madrugada de julho:
Quando as estrelas
Se juntaram nos céus;
Quando o sol teimava
Em não arrefecer a noite,
E a lua irradiava
Confundindo
As mãos dos namorados…
Andava embalado
No colo de minha mãe.
E serenamente escutava,
Na fusão das águas,
O canto ameno que me embalava.
-Lembra-se minha mãe
Dos pontapés que eu lhe dava?
-Recorda-se minha mãe
De me ouvir chorar,
Quando sem ver
Me reconfortava
Passando docemente
A sua mão na barriga.
Ai como eu me sentia feliz
Com as suas carícias.
Ai como era feliz
Escutando o seu cantar.
Foi numa madrugada de julho
Quando a lua espreitava;
Quando a mãe terra me chamava;
Rompi as águas:
E tinha à espera estrelícias
Majestosamente
Espalhadas por seu corpo…
Foram tempos luminosos
Quando a natureza me pariu
E me trouxe de volta os olhos
Com que abracei, de novo, o Sol.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2007
Simões, Rogério, in “GOLPE DE ASA NO SEQUEIRO”,
(Chiado Editora, Lisboa, 1ª edição, 2014)
(Registado no Ministério da Cultura
Inspeção-Geral das Atividades Culturais I.G.A.C. Processo n.º 2079/09)
Mãe, enquanto escrevo a mãe deverá estar na mesa das operações. Por isso, mesmo sem me ouvir, apesar do enorme risco de vida que corre, só espero que tudo corra bem. Perdoe-me minha mãe mas não tínhamos maneira de evitar essa intervenção cirúrgica.
Por isso, e enquanto não posso falar consigo, vou deixar aqui algumas referências a si, para quem as quiser ler:
Falando de mãe, a minha é de facto um exemplo a seguir e que eu jamais esquecerei. Quando nasceu, em 1925, as mulheres não podiam estudar nem votar. Minha mãe trocou a Beira Serra – A Malhada – Colmeal, pela cidade de Lisboa.
A luta pela vida era tremenda! Levantavam-se pelas 4 horas da manhã, apanhavam o elétrico que os levava à Praça da Ribeira onde se abasteciam de legumes com que governavam a vida no mercado de Santa Clara. Era um tempo em que aqueles mercados pululavam de gente; em que os espaços reservados aos pequenos comerciantes (lugares e pedras) eram disputados e bem pagos nos leilões do Município de Lisboa.
Antes trabalhar carregando duas sacas cruzadas à cabeça que andar a carregar mato e a passar fome, dizia minha mãe.
Minha mãe foi, e é uma mãe exemplar como muitas que viveram, e vivem, tempos difíceis.
Foi a minha mãe que me valeu desde 1970 até 1986 – sempre a caminho do hospital onde todos os anos era internado com problemas graves de saúde. Daí este poema:
ESTRELAS PARA SI, MINHA MÃE
Rogério Martins Simões
Mãe que não sabe ler nem escrever,
Mas conhece bem todos os meus ais.
Mãe que bem cedo teve de sofrer.
Mãe que tanto nos deu e tanto me dais.
Mãe! Por que não a deixaram aprender,
Se está sempre tão atenta aos sinais.
Mãe que doando me ensinou a viver,
Para que amando nos amemos mais.
E se o amor é o néctar da poesia,
Minha mãe, lhe dedico neste dia,
Estes sentidos versos do meu amar.
Mãe passe-me as suas mãos pelo meu peito,
Que este seu filho até já perdeu o jeito:
E tinha tanta estrela p´ra lhe dar.
Campimeco, Meco Café, 02/03/2016 22:14
E este mais antigo:
BEIJO AS SUAS MÃOS MINHA MÃE
Rogério Martins Simões
Mãe
Disse-me um dia a sorrir,
Que tantas noites a chorar,
Sem dormir,
Que me ia acariciar.
Mãos suaves
Embalando docemente
Meu berço.
E na sua boca um cantar
Cânticos ternos de embalar.
Ventos da mudança
Oh! Como os tempos
Não mudaram para si, minha mãe
Apenas se alterou o rosto.
Mãe!
Essas suas mãos doridas
Foram o sal das nossas vidas!
Beijo as suas mãos minha mãe.
1973
Depois, em 2002, mais ou menos, apareceu-me esta Parkinson.
Minha mãe passou a partir daí a chorar e a rezar para que um milagre qualquer se dê.
Faz-me tanta falta minha mãe.
QUISERA ANDAR DE CARROSSEL
Rogério Martins Simões
Quisera andar de carrossel
Com um sorriso de criança que ri
Rosto rebuçado, melaços de mel
Laivos da festa que resta em ti…
Num dedo prendo o balão,
Com outro seguro o corcel
Soco a bola com a mão
As mãos, o rosto e a testa
Besunto-me todo com mel.
Solta-se dos dedos o balão
Que voa a caminho do céu
-Mãe! Vai-me apanhar
Um sorriso igual ao seu…
-Meu filho a mãe não sabe!
Ler, nunca aprendeu:
A mãe vai procurar
O balão que se perdeu…
-Mãe que sabe escutar,
Meus choros em seu coração
Abençoada o seja minha mãe
Por tudo o que foi e me deu!
Rodopiam as lembranças da festa
Para o movimento ondulante
Sujo-me de novo a cada instante…
Sem rebuçados com sabor a mel
Mas… Brinquei tanto no carrossel….
2005-10-20
Simões, Rogério, in “GOLPE DE ASA NO SEQUEIRO”,
(Chiado Editora, Lisboa, 1ª edição, 2014)
Termino aqui este diálogo da minha alma.
Mãe, o peso deste meu sofrer é tanto que me afogo em lágrimas
Até já minha doce e tão querida mãe
Deste seu filho mais velho:
Rogério Martins Simões
Meco, Campimeco, 12/09/2017 04:26:46