26.06.08
João Nunes Almeida (TI João barbeiro) pelo Dr. J. Martins Nunes
Coloco aqui em lugar de destaque o comentário recebido neste blog do Médico de Coimbra, Dr. J. Martins.
Foi por acaso que entrei no vosso site e creiam que me lembrei muito da minha família e das minhas origens.
A minha mãe Maria Delfina Martins (nunes) com 92 anos, nasceu em Ádela, filha de Maria Delfina (irmã da tia Elvira Piedade, mulher de João Nunes Almeida) e de António Alexandre Martins.
A minha avó Maria Delfina nasceu no Vale de Carvalho e casou em Ádela. A minha mãe casou em Àdela com José Nunes Júnior e foram viver, primeiro para Lisboa e depois para Faro. O meu pai faleceu em Faro em 1991 e a minha mãe ainda é viva e reside em Faro com uma sobrinha (filha de Manuel Baeta Ramos do Vale Carvalho).
Eu sou o único filho (o meu irmão faleceu com 24 anos) e resido em Coimbra, onde exerço a profissão de médico. A minha mãe fala ainda hoje muito no "Tio João da Póvoa" e conta muitas histórias. Está muito bem com os seus 92 anos e ficou muito contente de lhe ler o texto do tio João.
J. Martins Nunes
Boa tarde Dr. Martins Nunes,
Quando há anos criei este blog para os contos e as vivências do meu pai, José Augusto Simões, esperava, ou melhor ansiava, congregar à sua volta testemunhos como o seu. Que mais não fosse só este seu testemunho valeu a pena a minha missão.
Conheci o seu tio o “João Barbeiro” da Póvoa, bem como a senhora sua tia Elvira Piedade. Melhor o conheceu meu pai. Porém sempre que ia à Póvoa, era muito novo, deliciava-me a escutar os feitos do seu tio nomeadamente o autêntico milagre na cura do pé esmagado da minha tia Soledade Simões.
Há uns anos no meu blog “Poemas de Amor E Dor” escrevi um texto que dediquei ao Ti João Barbeiro intitulado o “António Barbeiro”. Hoje resolvo colocar aqui esse trabalho que foi continuado no Brasil.
Um abraço e espero que os descendentes deste grande HOMEM entrem em contacto consigo.
Rogério Martins Simões
Maria.
Espero que ao receberes esta carta estejas bem que nós por cá vamos na graça de Deus.
Recebi a tua última carta onde me dizias palavras lindas, como só tu sabes dizer, e com ela vinha a senha para levantar o cabaz das mercearias que nos mandaste pela camioneta.
Já recebemos a encomenda, estava tudo bem, mas escusavas de te incomodar.
Aqui na terra tudo vai como no costume.
A cabra da Ti Rosário entrou na horta e foi dar cabo da vinha do tê pai.
Ouvimos dizer que o Ti Chico fugiu para França. Que raio é que deu ao homem que tinha aqui tanto mato para roçar.
O Zé do fundo do lugar, coitado, é que não teve a mesma sorte. A família dele está de luto! Morreu de uma bala ao atravessar a fronteira. Mas esse, coitado, não tinha aqui nada para comer. Agora que vai ser dos filhos dele. É assim! Temos de nos conformar…
Maria! Vieram-me contar, (aqui na terra há cá umas mexeriqueiras), que estás apaixonada e que até lhe escreveste, numa carta, umas sem vergonhas.
Vê lá que eu nem queria acreditar. A TI Aninhas, que é cá uma coscuvilheira, pediu ao primo que trabalha aí em Lisboa para descobrir se era verdade.
Sabes lá: o Ti Manel da estiva, que é um magano, roubou a carta ao teu namorado.
Maria - nem sabes a vergonha por que estamos a passar. Ainda se fosses um rapaz... mas logo uma menina tão bem educada que fez a comunhão e tudo
Aproveito para te mandar uma cópia da carta que o barbeiro copiou.
Vê lá se foste tu que a escreveste, pois quero desmentir o povo.
Desculpa a letra mas o Ti António barbeiro cortou-se na navalha.
Por hoje não tenho mais para te dizer. Espero a tua resposta na volta do correio.
Beijos da tua mãe
Estes desenhos da alma foram construídos a partir de um comentário que escrevi directamente a um texto, lindo de amor, que a amiga Maria do saudoso blog “Cumplicidades” escreveu.
P.S:
Aos Homens grandes
O António que escreveu as cartas à Maria era um homem notável: barbeiro de profissão; médico-enfermeiro nas horas vagas.
António foi buscar o saber aos velhos livros de medicina, e, porque era letrado - poucos na sua Aldeia aprenderam a escrever - lia e escrevia as cartas do povo que não sabia ler nem escrever.
Mas o António “Barbeiro” gostava de ouvir!
(Os barbeiros escutam sempre e nem sussurram as confidências!),
E mal tarde tardasse a noite, pé ante pé como se fosse um salteador, acendia o velho aparelho e de novo sintonizava a Rádio Moscovo.
António era um homem prevenido.
À noite colocava por cima do rádio um copo de água e se, no silêncio das quatro paredes, a telefonia emitisse uns silvos esquisitos, baixava o som até quase não se ouvir.
- Não viesse por ali algum “bufo” para o denunciar e agente da polícia política para o levar.
Mas o “Barbeiro” que sabia tanto procurava descobrir na onda curta, da telefonia, o que as emissoras oficiais não lhes contavam.
Foi assim que ouviu dizer, aos comunistas, que iriam libertar o povo e que as mulheres iriam votar
Talvez por isso, o António, barbeiro de profissão, enfermeiro e escritor nas horas vagas, escrevia abusivamente nas entrelinhas, algumas linhas, com recados pessoais para quem eram dirigidas as cartas.
Certa noite de intensa tempestade o António Barbeiro desapareceu e ninguém mais o viu vivo!
Dizem na Aldeia que conhecia os caminhos como ninguém!
À Maria Branco o meu agradecimento por completar este diálogo.
Rogério Simões.
(Homenagem póstuma ao Ti João Barbeiro da Póvoa, amigo de meu pai e que ainda conheci)
(Todas estas fotografias foram cedidas pelo Sr. Padre Pedro da Pampilhosa da Serra)
O BARBEIRO