07.10.05
(Foto de Romasi)
MEMÓRIAS do um filho de UM POETA
(
Em Março de 2004, como muitos o sabem, embarquei nesta aventura dar a conhecer a minha poesia.
Ao longo dos últimos 16 meses fui resistido à tentação do fogo e isso devo a vós - a todos aqueles que me lêem, quase um milhão de acessos.
Só quem a escreve; só quem é o seu autor, tem o direito de a rasgar ou de a queimar.
Sou contra todo o outro tipo de fogueira, mas isso não são contas do meu presente rosário.
Comecei bem cedo a escrever poesia por culpa do meu querido pai e do ar contemplativo de minha mãe que não sabia, nem sabe, escrever - mas isso são contas de outro rosário - pois à mulher era quase negado o direito a estudar.
Dizia eu, ou estava para dizer, vivi numa humilde casa em Lisboa, paredes-meias com a feira-da-ladra, onde fui crescendo, escutando e vendo.
Comecei por aprender que a poesia cresce com a alma e escreve-se com amor e isto ensinou-me o meu querido pai:
Sobre o meu pai já escrevi o “insuficiente”, pois, todas as palavras ou poemas não chegam para lhe dedicar.
Nasci em Julho de 1949 e nos anos 50 eu era menino.
A casa de meus pais, nesse tempo, fervilhava de familiares e amigos que deixavam as suas aldeias, na Beira Baixa, em busca de uma vida melhor. Meu pai e minha mãe recebiam-nos cedendo, a sua própria cama. E foi assim até há poucos anos.
Dormia-se por tudo que era canto - por turnos - "pouca sorte partir; pouca sorte chegar"
Meu pai era um humilde comerciante de sacos usados, nada tinha e tudo dava. Sabia de tudo, tudo sabia; tivesse eu a sua brilhante memória. Não conheço ou conheci, sem qualquer favoritismo ou por simples acto de amor, algo semelhante, pois, ainda a conserva viva e activa apesar de ter nascido em 1922.
A minha mãe aceitava tudo o que o meu pai fazia e davam tudo sem nada em troca.
À noite - mesa cheia - naquela mais humilde casa - escutava histórias de fantasia e de encantar e muita poesia, declamado por meu pai, que todos com prazer escutavam.
Sabia de cor todos os livros por onde estudou e a poesia que neles conheceu e decorou. Depois, vinham todas noites rezar sobre a minha cabeça. (Tenho orações lindas com mais de 200 anos)
Fui crescendo, (não vos quero maçar), e, para abreviar, iniciei-me na poesia pela caneta de meu pai. Eu, ou melhor - meu pai - ganhava todos os prémios sobre poesia nas escolas por onde andei.
Nos anos de 60 do século passado escrevi, por minha mão, os meus primeiros poemas com a alma do meu pai. Já nesse tempo, a minha poesia a nascer, mergulhava na tristeza e cantava a vida com as cores do dia-a-dia. Cantava o que via ou o que não deveria e o que via era triste - mas isso são contas de outro rosário - pois, tudo era proibido.
Contaram-me, certo dia, que nas paredes do Aljube estava escrito com tinta vermelha de sangue a palavra LIBERDADE. A partir daí comecei a soletrar as letras do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, do Luís Cília do José Mário Branco e outros como o Sérgio Godinho e passei a militar na JOC (Juventude Operária Católica).
Aprendi que a poesia, escrita com a alma e com amor, tinha de ser disfarçada como se faz no contrabando.
Daí em diante era assim: poesia para lerem era escrita por metáfora. A outra, a Poesia era para esconder, mas, às vezes, arriscava.
Ao longo da minha vida escrevi mais de 11 livros de poesia que fui rasgando ou queimando ao sabor dos amores, desamores e erros meus.
Pouco resta! Duas pastas velhas que fui escondendo dos ímpetos do coração
Sobraram poucos, não os vou rasgar porque apesar da sua fraca qualidade têm a alma de meu pai e muitas imagens que pintei desses tempos.
Acabo com duas quadras que me recordo, nem estavam escritas, mas o poema está incompleto:
Sentado em minha cama
Entre lágrimas e pranto
Eu pergunto a Deus
Porquê chorar tanto
Se há tanta gente alegre
Por esse mundo além
Eu aqui penso e choro
Choro mais que ninguém!
1964
Vou terminar senão não paro de escrever as memórias…
Com estas palavras apenas vos quero dizer quanto amo a poesia, os poetas, e o meu mestre: O meu pai, o aluno brilhante, 3 vezes prémio escolar, do melhor aluno, na Pampilhosa da Serra.
Saudades
06-10-2005 21:45