20.05.05
(Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma)
PAI PARABÉNS pelos 84 anos
Eu sei que no seu bilhete de identidade consta ter nascido a19 de Maio de 1922 mas a data está errada!
Pai, há tantas coisas erradas nos registos!
Se procurasse no Registo pela data do seu nascimento havia de ser bonito. E se eu insistisse, que o pai nasceu no dia 20 em vez do dia 19, chamar-me-iam teimoso ou louco varrido.
É por isso que há por aí tantos loucos, encarcerados na sua sadia loucura, e se verdades dizem não passam de uns insanos.
Às vezes penso: se existem certos actos ditos de loucura, encarados e vistos como tal, eles têm como sublime vantagem de se concretizarem nos sonhos.
Não foram loucos os Santos, e tantas pessoas nobres, que se despiram para oferecerem os trajes aos pobres!
Não são loucos os sonhadores de um mundo melhor, que oferecem toda uma vida a uma causa maior!
Foi loucura viajar no espaço da incerteza e aterrar no império do esplendor como o fez São Francisco de Assis!
Eu sei que sou um sonhador: nem sempre sou o que pareço! E se pareço ser o que não sou, sou aquilo que bem conheço.
Dizia Pessoa que poeta é ser fingidor!
- Mas eu não finjo, obrigam-me a fingir!
- Eu não morro, obrigam-me a morrer!
- Eu não sofro, obrigam-me a sofrer!
E se sofrer tanta dor não compensa, ser solidário recompensa exigindo que a vida seja melhor onde a ela exista e aconteça.
Pai! Estas palavras são hoje inteiramente para si apesar de me ter perdido em deambulações.
Quando comecei a escrever, sem ter a menor ideia do que lhe iria dizer, sobravam-me as palavras. Agora, faltam-me as palavras que às vezes tanto me sobram.
Mas tenho tantas palavras para si, meu pai!
Ainda há pouco, enquanto conduzia, latejavam-me os sentimentos e tinha na cabeça cearas de pensamentos deambulando em movimentos.
- Brotavam-me tantas emoções!
- Tantas lembranças!
- Tantas recordações!
Sabe, meu pai, herdei de si esta enorme fortuna que agora sei que desprezam: O sentido da honra; a sensibilidade; a humildade e acima de tudo a honestidade.
E se rico não fico, com esta tamanha riqueza, é porque me vejo aflito, quando aflito eu fico, para ajudar os seus netos.
Pai parabéns!
Como vê, desta vez, não me esqueci, se alguma vez esquecer o esqueci.
Que filho poderá esquecer um ser tão precioso como o pai!?
Que filho se deslembra daquele que nunca se esquece, de nada, mas apenas se esquece de si!
Recorda-se, meu pai, de nos declamar tanta poesia!? Tantos poetas! Como este poema de dia de anos (ou desenganos), de João de Deus, que o pai recitava, sempre, em seus anos
(escrito em 20/05/2004)