05.03.04
(Foto da autoria do padre Pedro)
A vida dura dos serranos.
Os tempos de antigamente I
Nos meus tempos de criança, a maioria das pessoas das aldeias serranas, alimentavam-se praticamente dos produtos que cultivavam: batatas, cebolas, feijão verde e seco, couves, nabos, alfaces, tomates, pimentos e outros vegetais e do milho faziam a broa.
Todas as terras eram cultivadas, mesmo que só tivessem 3 ou
As videiras eram plantadas junto às paredes que serviam para segurar a terra. Também haviam frutas de diversas qualidades, árvores que tinham sido postas pelos nossos avós e pelos nossos pais, assim como as oliveiras que, nesse tempo, havia em grande quantidade.
Dava gosto, nos meses de Primavera e de Verão, ver aquelas barrocas e alqueives, todas vestidas de verdura e todas muito bem cultivadas, coisa que hoje já não acontece.
Também todas as famílias criavam de um a três porcos. Normalmente, a matança era feita em Novembro, das suas carnes faziam os enchidos, que eram secos ao fumeiro.
As restantes carnes, presuntos, pás, coleira e toucinho, eram muito bem salgadas e postas dentro da salgadeira, uma arca de madeira que servia especificamente para esse fim, guardada na zona mais fria da casa.
A carne estava no sal
Peixe, só havia sardinha, que vinha já com sal, da Figueira da Foz ou de Mira. Era transportada em antigas camionetas até ao Rolão, e daí até à Pampilhosa era transportada em carros de bois, por caminhos de cabras onde podiam passar os animais.
A feira (actual mercado) era só feita uma vez por mês e as pessoas compravam logo 5 ou 6 centos, de sardinhas, para consumo do mês. Nesse tempo o seu preço regulava entre um escudo e um escudo e cinquenta centavos. Às vezes eram ainda mais baratas, mas, mesmo assim, havia famílias que as compravam com muitas dificuldades, visto haver muito pouco dinheiro, apesar de ser a sardinha o peixe dos pobres.
Mas, se não estou em erro, a estrada chegou à Pampilhosa no ano de 1930 e então a vida mudou completamente: a camioneta de passageiros deixou de fazer a paragem no Valongo visto que era aí que se tinha de ir apanhar com destino à Lousã, passando a receber os passageiros na Pampilhosa. Os transportes passaram a ser feitos em antigas camionetas e parte das mercadorias eram igualmente transportadas, juntamente com as pessoas.
E, assim, a feira deixou de ser feita de mês a mês, passando a fazer-se de 15 em 15 dias.
Desta forma, as pessoas já compravam sardinhas para uma semana, visto que começaram a aparecer vendedores na Vila e mesmo nalgumas aldeias.
Mudando de assunto, passemos às vias de comunicação. Os carros só iam até à Pampilhosa e, da nossa freguesia, somente três aldeias ficaram beneficiadas com esta estrada, Moninho, Moradias e Vale Carvalho. As restantes aldeias continuaram completamente isoladas.
Da Póvoa para a Pampilhosa só havia uma reles estrada até ao Vale da Candeia e só aí chegava o carro de bois. Mesmo assim eram só altos e baixos.
Um carro de bois para ir à Pampilhosa, tinha que fazer o trajecto pela Cruz, por toda a encosta do Laguinho e só assim lá chegava.
Os mortos eram transportados a pau e corda e em certas partes do caminho, até o caixão batia no mato para poder passar.
As crianças como eu, que iam todos os dias à escola, passavam diariamente por esses caminhos cheios de pedras e mato, muitos iam todos descalços e o nosso vestuário era um casaquito e uma calça de cotim mariano, uma camisa de riscado. Camisola e cuecas eram coisas que não existiam.
No entanto, a Póvoa nesse tempo devia ter cerca de 250 pessoas, pois, no meu tempo, só na escola, entre rapazes e raparigas, chegámos a ser mais de 30 (trinta) miúdos.
Os filhos, nesse tempo, eram a maior parte deles criados pelas mães, visto que muitos dos homens tinham migrado para Lisboa, mas como eram quase todos analfabetos, o seu trabalho era na descarga do carvão e moços de fretes.
No entanto, a maioria destes homens que migraram, iam à terra uma ou duas vezes por ano, ajudar a fazer as sementeiras e recolher os artigos semeados. Outros foram para o estrangeiro, e, grande parte deles, não mais voltou.
A vida dura dos serranos. Os tempos de antigamente II
Como tinha dito no meu primeiro esclarecimento, tenho mais coisas para contar sobre assuntos anteriores ao meu nascimento. Coisas essas, que minha mãe me contava e assim me transmitiu, esses tempos passados, que eu nunca mais esqueci.
Esses tempos eram bem piores do que aqueles que eu já vivi.
Como citei os mortos eram transportados para o cemitério da Pampilhosa num esquife: - uma padiola com quatro pés e umas ripas de cada lado para segurar o corpo, e que assim era colocado na sepultura.
Nessa época não existiam caixões, mas para o corpo já nada interessava. Era para a terra comer, com ou sem caixão. Minha mãe ainda me disse o nome da primeira pessoa que foi sepultada num caixão, mas já me esqueci.
O caixão era feito à medida do corpo e, depois, forrado por fora com pano preto, pelo carpinteiro Manuel Antunes Ferreira (mais conhecido na Póvoa como o Ti Manuel Barrocas) e, assim, já todas as pessoas eram sepultadas em caixão.
Também falei na peste pulmónica pois foi a doença mais horrível que apareceu no nosso País, neste século. Esta doença terá surgido em Portugal por volta de 1918.
No nosso concelho morreram centenas de pessoas e na nossa freguesia foi uma calamidade, principalmente, no Sobral, Moninho e Soeirinho, pois muitas casas fecharam por terem morrido todas as pessoas da família.
A nossa aldeia (Póvoa) foi, ainda assim, das terras mais felizes, só morreu uma senhora de nome Arminda, por acaso da minha família pois era casada, com um primo direito do meu pai, António de Almeida (Ferreiro) e filha da Senhora Martinha Antunes, também ela prima do meu pai.
A senhora Martinha que, por sua vez, era filha da minha tia-avó, Antónia Joana Antunes, irmã da minha avó Emília de Jesus Antunes e da minha outra tia-avó, Antónia. Esta, era mãe do meu primo António de Almeida que emigrou novo para o Brasil, e que, ainda, recordo o seu regresso a Portugal.
Tendo casa própria, passou a viver em comunhão de mesa e de trabalho com o seu irmão José de Almeida e de sua cunhada, Maria de Jesus Ramos (creio que era este o seu nome). Era uma mulher de bondade e grande calma, que todas as pessoas estimavam tal como o António, que apesar de sofrer de uma grande miopia, era um grande trabalhador e uma pessoa de grande honestidade.
Depois de vários anos na Póvoa, veio para Lisboa viver com o seu sobrinho e meu grande amigo e primo, Joaquim Ramos de Almeida, mas, como tinha muita falta de vista, morreu atropelado, se não estou em erro na Rua Angelina Vidal, em Lisboa.
Mudando de assunto, a nossa aldeia há 50 anos não era o que é hoje.
As ruas e vielas eram, quase na sua maior parte, estrumeiras. Estavam todas cheias de mato, pisado por todos quantos passavam e que depois era misturado com o estrume que era retirado dos currais do gado. Faziam-se, assim, grandes montes de estrume, que, depois de bem curtidos ao ar livre, eram transportados para as hortas onde serviam para adubar as terras.
Por isso, não tinha as condições que hoje têm: ruas arranjadas, electricidade, água canalizada, telefone e casa do povo, onde todos se juntam.
Mas, com a mudança dos tempos, já pouca gente vive na Póvoa.
Mas tenhamos confiança no futuro
2000