(Óleo sobre tela
da minha querida e amada companheira
Elisabete Maria Sombreireiro Palma
SAUDADE
Rogério Martins Simões
Logo!, logo muito cedo,
Quando a manhã cereja,
Irrompe a luz sem medo:
Bendita! Bem-vinda seja!
Descobre o meu olhar.
Entra sem bater à porta.
Memórias a despontar
Quando o sol já conforta:
Velho!, velho moleiro!,
Onde está a vossa mó?
Tenho milho no celeiro
Da lavra da minha avó.
Velho!, meu velho oleiro
Para quê a vossa roda?
O pote partiu… primeiro
O cântaro saiu de moda
Logo!, logo muito cedo,
Quando o sol me beija,
Irrompe a luz sem medo:
Bendita! Bem-vinda seja!
Lá vai o senhor Manuel!,
Com sua junta de bois…
- Que leva no seu farnel
Para comer no depois…?
Lá vai senhora Maria
A caminho da horta:
Andai! Que já se fez dia
E a noite bate à porta.
Melro que és atrevido
Vai dizer à minha avó:
Que não tenho marido…
Ai!, quanto me sinto só!
A galinha cacareja!
O galo anda a monte…!
Passa rente a narceja
Mergulha na água da fonte.
E logo, logo muito cedo,
Quando a manhã cereja,
Acendam a luz sem medo…
Em casa tudo boceja…!
Os filhos gritam e choram.
Os pais partem apressados.
Só os pardais namoram:
Nos beirais e nos telhados
Não há sinos a tocar.
Nem igrejas o almejam…
Perdeu-se o verbo amar:
Nem já filhos se desejam.
E vós meu velho ferreiro
Onde tendes vossa forja…
Ceifeira partiu primeiro
Foi-se!, e sobrou a corja…
A corja… anda perdida!
Ao povo falta o pão!
As poupanças de uma vida
Que nem valem um tostão.
E eu!, volto p´ra aldeia
Vou semear a ventura
Conservai a velha candeia…
Irei colher na ternura.
E logo, logo muito cedo,
Quando a manhã me veja
Acolherei a luz sem medo
Bem-vinda! Bendita seja!
Lisboa, 8 de Outubro de 2008
Concluído em 13-10-2008 22:29